Malomil
segunda-feira, 18 de março de 2024
segunda-feira, 11 de março de 2024
Argélia: o tempo da fraternidade? (13).
O
Museu Público Nacional de Cherchell é um dos mais extraordinários museus de
arte romana em África.
A
construção de estradas pelos franceses ma segunda metade do Século XIX resultou
na descoberta de imensas estátuas e mosaicos da época romana.
A
riqueza do Museu é de tal ordem que lhe vou dedicar dois posts.
E
começo por uma cabeça do rei Juba I, rei dos Numidas.
Juba
I suicidou-se depois de derrotado por Júlio César. O seu filho que veio a ser
Juba II foi levado para Roma como refém. Aí foi educado em convívio com o
Imperador Octávio que veio sa promover como
Juba I foi “compadre” da célebre Cleópatra. E chamo-lhe compadre porque o seu filho Juba II casou com Cleópatra Selena filha da rainha Cleópatra. A cabeça é cópia da que foi enviada para o Louvre:
Uma estátua de Hércules, que a dinastia judaica considerava seu antepassado. Século I a. C.:
Estátua de um jovem Sátiro, mostrando uma flauta de Pan e uma pele de pantera, do Século II:
Estátua
de Diana, a deusa da caça, acompanhada pelos seus cães, do Século II:
Cariátide
do final do Século I a. C.:
Uma
esfinge, criatura feminina alada e com corpo de leão, do Século I a. C.:
E
finalmente uma estátua de um imperador com couraça, provavelmente de Cláudio,
do Século I:
Fotografias
de 18 de Outubro de 2023
José
Liberato
sexta-feira, 8 de março de 2024
Argélia, o tempo da fraternidade? (12).
A
cerca de 60 quilómetros a oeste de Argel situa-se um dos mais enigmáticos e
imponentes monumentos da Argélia. É conhecido como o Mausoléu Real da
Mauritânia.
Trata-se
de um monumento funerário de grandes dimensões cuja origem é incerta. O que se
sabe é que já existia no I Século. A tese mais aceite é a de ser um túmulo
destinado ao rei da Numídia e Mauritânia Juba II e de sua mulher Cleópatra
Selena, filha nada menos do que da célebre Rainha Cleópatra e de Marco António.
Tem
um perímetro de quase 200 metros e 60 colunas com capitéis jónicos.
No interior nunca se encontrou qualquer mobiliário, mas admite-se que possa existir uma câmara secreta onde estejam os túmulos propriamente ditos.
Cherchell
é uma cidade originalmente fenícia que foi colónia romana sob o nome de
Cesareia e a capital do Reino da Numídia no tempo do Rei Juba II, protegido do
Imperador Augusto.
Um
dos monumentos que sobreviveu à sua História movimentada é o que se chama hoje
a Mesquita El Rahman.
Templo romano inicialmente, foi adaptado a Catedral, a Catedral de São Paulo, e transformada em mesquita a partir de 1574. Por isso, a sua configuração nada indica que se trata hoje de uma mesquita.
Fotografias de 18 de Outubro de 2023.
José
Liberato
quinta-feira, 7 de março de 2024
Sousa Martins.
Nasceu neste dia, há 181 anos, José Thomaz de Sousa
Martins. Natural de Alhandra, perto de Lisboa, cresceu órfão de pai e teve de
trabalhar desde os 12 anos. Enquanto era ajudante de farmácia, estudou ciências
farmacêuticas e medicina, os dois cursos ao mesmo tempo. Licenciou-se em
medicina com notas das mais altas.
Viveu quase exclusivamente para o trabalho. Num tempo
em que a peste e a tuberculose grassavam, fez por curar, ou pelo menos aliviar,
o maior número possível de doentes. No hospital de São José, no seu consultório
e nas incontáveis visitas domiciliárias que fez, acudiu a políticos
republicanos e a duquesas, cobrando pelos seus serviços, e acudiu também, mas
não cobrando, aos pobres dos bairros mais miseráveis de Lisboa e arredores. A
estes ele dedicava tempo, conversando e empatizando, e chegava a oferecer-lhes
dinheiro para que comprassem os medicamentos. Como disse a um amigo: “Ai!, o
que eu vi, e onde entrei! Basta dizer-te que cheguei a escrever receitas com
paus de fósforos”.
Foi um médico reputado e pertenceu a organizações
internacionais para o tratamento da tuberculose. Sugeriu que se construísse um
sanatório na Serra da Estrela, o que veio a acontecer mais tarde. Foi um homem
especialmente bom e dedicado aos seus pacientes. Quase um século e meio depois
da sua morte, continua a haver quem o considere santo e diga que agiu por
intercessão de Deus. Não falta quem lhe dirija as suas preces. Esse culto a
Sousa Martins é particularmente visível em Lisboa e Alhandra, onde junto ao seu
jazigo e às estátuas que o homenageiam se encontram dezenas de mensagens de
agradecimento pelas curas supostamente milagrosas que operou. E onde continuam
a desembocar todos os anos centenas de pessoas, muitas delas descendentes
daqueles a quem fez bem.
Entre o cemitério onde repousa e a Casa-Museu Dr.
Sousa Martins, em Alhandra, fica a praça central da vila. Chama-se Praça
7 de Março de 1843 e recorda a data de aniversário do médico. Nessa
praça encontra-se um busto representando-o, e nunca esse monumento de pedra e
chumbo se vê por si só: há sempre flores aos seus pés. Porque, afinal, há muito
quem continue a recordar uma das pessoas que mais praticaram o bem no nosso
país. De quem Dom Carlos disse ter sido “a luz mais forte do reino”.
Rui
Passos Rocha
Carta de Bruxelas.
Para assinalar cinco meses passados sobre o dia 7 de
Outubro de 2023
Mala Ziemetbaum, nascida em Brzesko, Polónia, foi detida
pelos ocupantes nazis em 22 de Julho de 1942, na Bélgica, para onde fugira. É
deportada no comboio n.º 10, em 15 de Setembro de 1942, com Auschwitz como
destino. O seu carácter destemido e as suas actividades no campo não suscitam
dúvidas. Numa posição administrativa privilegiada, passa mensagens, arranja
medicamentos e rações suplementares, distribui as mais fracas pelas tarefas
menos exigentes. No final de 1943 conhece Edek (Edward Galinski) prisioneiro
político. Juntos e apaixonados fogem em 24 de Junho de 1944. São capturados 12
dias depois. E condenados à forca.
Há diversas versões sobre a execução de Mala. Louise
Alcan explica em Le temps écartelé, versão aumentada do seu primeiro
testemunho Sans armes et sans bagage, 1947, que «Em 22 de
Agosto, depois da chamada da tarde, todas judias de Birkenau tiveram de
ficar lá fora. Capturada há várias semanas, Mala vai ser enforcada diante de
todas as suas companheiras. É da praxe para os evadidos que fracassam. Em
certos enforcados pendura-se-lhes ao pescoço um cartaz com a inscrição:
Hurra, wir sind wieder da.»
João Tiago Proença
quarta-feira, 6 de março de 2024
São Cristóvão pela Europa (258).
Continuando
em Portugal, ocupo-me hoje do Norte do País.
Começo
por Viana do Castelo. A sua Igreja Matriz foi concluída em 1455 num estilo
românico fortificado. Em 1977 o Papa Paulo VI criou a Diocese de Viana do Castelo
que é hoje a mais jovem diocese portuguesa. A igreja Matriz passou a ser a Sé
Catedral.
No
interior, uma imagem de São Cristóvão.
No concelho de Oliveira de Azeméis e freguesia de Nogueira do Cravo, a Igreja Matriz, do Século XVIII, é dedicada a São Cristóvão e naturalmente possui uma imagem do nosso Santo no altar-mor.
Fotografias
de 26 de Dezembro de 2023 e 4 de Fevereiro de 2024.
José Liberato
segunda-feira, 4 de março de 2024
Resposta a Clara Pinto Correia.
Em resposta a um texto da minha autoria, intitulado “Clara Pinto Correia: adeus, princesa” (Diário de Notícias, de
25/2/2024), Clara Pinto Correia (CPC) publicou, no Página
Um,
um artigo em que põe em causa a minha honorabilidade profissional, questionando
a qualidade e o rigor do trabalho que desenvolvi.
Não vou tecer quaisquer comentários sobre a apreciação
que faz do meu texto, nem sobre os epítetos que me dirige (“homúnculo”,
“nulidade”, “a criatura”, “aprendiz de feiticeiro”, “o despistado”, “jornalista
limitado”, “apressado cronista de costumes”, “uma personalidade de todo em todo
alérgica a dar um passo dentro de uma biblioteca”).
Cingir-me-ei, tão-só, aos erros e supostas falsidades
que me imputa:
1 – Acusa-me Clara Pinto Correia de ter deturpado
uma frase da sua autoria (“este aprendiz de feiticeiro manipulou e não foi
pouco”). Segundo ela, a frase que escreveu foi “Numa lindas manhãs de sol, só
nós dois, a passarada, e o anel de benzeno.” E a que eu escrevi foi: “Só nós os dois
e a passarada, em manhãs muito lindas, cintilantes de sol de Inverno.”
Sucede, porém, que, neste texto da
sua autoria, que citei, constante da Newsletter da Faculdade de Medicina, nº 82,
de Outubro de 2018, o que está escrito é, ipisis verbis, “Só
nós os dois e a passarada, em manhãs muito lindas, cintilantes de sol de
Inverno.”
Portanto:
a) – a frase que Clara Pinto Correia
diz que escreveu não consta do texto assinado e publicado por ela na Newsletter
da Faculdade de Medicina;
b) – a frase que eu citei é a que
consta, sem tirar nem pôr, do texto que ela escreveu e deu à estampa.
Que Clara Pinto Correia não se
recorde de tudo o que escreveu, não é grave.
Grave é nem ter tido o cuidado de
verificar a sua prosa, antes de acusar levianamente os outros de a terem
deturpado.
2 – Acusa-me
Clara Pinto Correia de ser “um jornalista que pelos vistos tem preguiça de
investigar” e que o meu texto parece “escrito à pressa por um estagiário”, uma
vez que cometi um lapso ao dizer que ela é a mais velha de quatro irmãs.
Simplesmente, não foi um estagiário
que fez tal afirmação – pelos vistos, errada –, mas o decano dos jornalistas
portugueses, Adelino Gomes, num artigo saído no Público, em
26/12/2000, onde se refere textualmente “a professora
universitária e escritora Clara Pinto Correia, a mais velha de quatro irmãs”.
Pergunto-lhe apenas se considera
Adelino Gomes “um jornalista que pelos vistos tem preguiça de
investigar.” E agora?
3 – Clara
Pinto Correia desmente ter escrito livros de ficção científica.
Acontece que essa afirmação não é
minha, mas da Infopédia, a qual afirma que ela tem “a tendência para mesclar géneros romanescos (o policial,
a ficção científica)”. Aliás, a mesma Infopédia informa que o livro que
escreveu em parceria Mário de Carvalho tem “um pendor mais próximo da ficção científica”. De resto, e
para fim de conversa, Clara Pinto Correia participou no livro Ficções Científicas e Fantásticas, um género
que, diz agora, “eu francamente detesto.”
Que ela não se lembre do muito que
escreveu, não é grave.
Que não tenha procurado
informar-se, é lamentável.
4 – Clara
Pinto Correia refere que eu digo que ela casou em Las Vegas com Pedro Palma.
Não sou eu que o digo, é isso que se infere desta reportagem Correio da
Manhã, Vidas, de 16/1/2010, disponível aqui, para a qual, aliás, ela
contribuiu com declarações.
***
No texto que escrevi sobre Clara
Pinto Correia, omiti deliberadamente, como é óbvio, aspectos pessoais e íntimos
(v.g., os anteriores casamentos, os filhos adoptivos), só falando
daquilo que é do conhecimento público (v.g., os plágios, as fotografias
dos orgasmos), matérias sobre as quais, aliás, a própria se pronunciou
abundantemente em centenas de entrevistas e declarações à imprensa, que li na
íntegra, de fio a pavio, como, já agora, visionei dezenas de horas dos vários
programas em que participou.
Procurei, como sempre faço na série
“Prova de Vida”, escrever um texto equilibrado e justo para o visado, no qual,
note-se, classifico o seu livro Adeus, Princesa como “uma
obra-prima”, digo que o seu pai era “uma das maiores sumidades mundiais no ramo
da gastroenterologia”, afirmo que é “comovente” o relato que Clara faz dos
passeios com o seu pai, refiro que ela foi “a primeira jornalista portuguesa” a
escrever sobre o lince da Malcata, e que nas suas três carreiras – cientista,
jornalista, escritora – se destacou “quer pela exuberância do brilho, quer
pelo impressionante ritmo da sua produção.”
Mais ainda: refiro que, “como
cientista, publicou nas mais prestigiadas revistas do mundo” e, como escritora,
“publicou cinco dezenas de livros, ou mais, cobrindo todos os géneros.” Refiro
também que se doutorou “com louvor unânime” e que nos EUA teve o “período mais
fecundo da sua carreira.” Depois, saliento que fez, “e bem” (sic),
o que lhe deu na real gana, mas que acabou sendo “uma vítima não-inocente” do
paroquialismo do meio cultural português, que procedeu à sua “defenestração
implacável”, em parte por “inveja”, em parte por “atávica misoginia.”
Num balanço final, acrescento que
nunca se procedeu a uma avaliação isenta da sua obra, que permitisse “distinguir
aquilo que tem efectivo valor e interesse (quase todos os seus trabalhos de
divulgação de ciência, muitos dos quais pioneiros) daquilo que se
mostra mais duvidoso (praticamente toda a obra literária).”
Clara Pinto Correia por certo
estava à espera de um ditirambo acrítico – e acéfalo –, mas, temos pena, um
perfil biográfico não pode ser um derramar de elogios atrás de elogios sobre o
biografado. De resto, foi o facto de ter sido alvo, em muito nova, de um
processo de “genialização instantânea” que, como digo no meu texto, acabou por
marcar o seu destino e criar o ego desmesurado que, pelos vistos, ainda mantém.
O texto que escrevi, garanto-lhe,
não contém plágios, mas terá lapsos e erros. Em todo o caso, nenhum dos que
Clara Pinto Correia me aponta, sendo citadas todas as fontes de informação,
como convém, e que ela bem poderia ter consultado antes de ter posto em causa o
meu brio profissional e o rigor do meu trabalho, coisa que não fiz em relação
ao trabalho dela, bem pelo contrário. Julguei ter escrito um texto suave e
ponderado, compassivo e terno, mas Clara assim não o percebeu, o que é um
problema dela – ou, melhor, o que é o problema dela.
António
Araújo
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024
São Cristóvão pela Europa (257).
Há
outras imagens de São Cristóvão no Alentejo.
No
Crato, no Núcleo Museológico da Igreja Matriz, dedicada a Nossa Senhora da
Conceição, uma imagem bem antiga do nosso Santo.
Em
Cuba do Alentejo, a Igreja do Carmo foi concluída em 1654. De um dos lados foi
também construído um Convento atribuído às Recolhidas da Ordem do Carmo, doutro
a horta e o pomar.
No
interior, uma pintura a fresco, de grandes dimensões, hoje em mau estado,
representando São Cristóvão.
Tem uma inscrição, muito difícil de ler, mas que permite uma datação: Este quadro mandou fazer o Padre João Mendes Vieira, capelão do Padroado que instituiu Martinho Janeiro Sebolinho de Barahona. No ano de 1759.
Fotografias
de 8 de Dezembro de 2023.
José Liberato
Maria Veleda.
No final do século XIX, Portugal era
um país agrário e tinha mais de 90% de analfabetos. Por serem consideradas
frágeis (lembra-vos algo que disse um candidato do Chega, recentemente?), as
mulheres só podiam ser educadoras, médicas ou funcionárias públicas, não podiam
pedir o divórcio e eram tuteladas pelos maridos. Os homens podiam votar. As
mulheres, mesmo as que tivessem estudos e uma profissão, as solteiras e chefes
de família, não podiam votar.
Maria Crispim era solteira, tinha
dois filhos e trabalhava como educadora quando começou a escrever crónicas nos
jornais. Designou-se Maria Veleda, em homenagem à sacerdotisa germânica que
liderou o seu povo e enfrentou o Império Romano. Escreveu na imprensa do
Algarve, primeiro, e depois em jornais nacionais, sediados em Lisboa, onde se
tornou professora. O foco da sua escrita, e também o das peças de teatro que
encenou, foi quase sempre a condição feminina: o desinvestimento do Estado na
instrução das mulheres, a sua dependência económica em relação aos maridos, o
impedimento legal a que votassem. Em suma, a ordem instituída que as
considerava inferiores aos homens.
Maria Veleda escrevia em tom
cáustico, atraía respostas mordazes e ripostava na crónica seguinte. Era comum
vê-la em debates políticos, praticamente sozinha entre mares de homens. Muitos
deles eram-lhe hostis, mas outros, como Magalhães Lima e António José de
Almeida, figuras máximas do republicanismo, incentivaram-na, tornando-a
cronista d’O Século e dirigente da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.
Com a Primeira República, que trouxe
maior igualdade às relações conjugais e permitiu o divórcio, não chegaram a
democratização da instrução nem o direito de voto para as mulheres. Numa época
em que o movimento sufragista noutros países garantia mais direitos para as
mulheres, não sem que muitas arriscassem a vida e fossem presas, a postura
gradualista do republicanismo português gerava enorme frustração em Maria
Veleda: “não sou sufragista, mas se o fosse pediria tudo e, se não dessem tudo,
não aceitaria nada”, escreveu. António José de Almeida considerava-a “demasiado
vermelha”. Em poucos anos, Maria Veleda desencantou-se do activismo e
afastou-se.
Mesmo depois do 25 de Abril, que
trouxe o sufrágio universal ao nosso país, quando em 1976 foram atribuídos
nomes de rua à urbanização da Quinta dos Condes de Carnide, a mais importante
das ruas foi dada a Ana de Castro Osório, a gradualista antecessora de Maria
Veleda na liderança da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. O radicalismo
não deixou boa lembrança. Será por esse motivo que a Rua Maria Veleda
surge mais perto da Rua Adelaide Cabete, sublinhando que, mais do que o
activismo político, o que ali se memorializa é a Obra Maternal de apoio a
crianças órfãs, que dirigiram.
Rui
Passos Rocha